Em um mundo onde a justiça e o direito são pilares fundamentais para a convivência social, "A Luta pelo Direito", de Rudolf von Ihering, emerge como uma obra gera novas ideias, desafiando concepções tradicionais e instigando uma reflexão profunda sobre a natureza dinâmica do direito. Esta Análise de obra busca não apenas elucidar os principais argumentos e ideias de Ihering mas também inspirar uma apreciação mais aprofundada de sua relevância contínua.
O resumo do livro foi inicialmente elaborado por mim em 1989, durante a disciplina Introdução ao Estudo do Direito na ITE Bauru/SP. Posteriormente, em 1993, a versão foi aprimorada pela segunda subscritora deste artigo que também cursou a mesma matéria. Em ambas as ocasiões, também adaptamos análises dos colegas de classe, mas com nossas próprias palavras. Com o passar do tempo, a análise foi ainda mais aprimorada com outros recursos e retiramos das resenhas anteriores as anotações e transcrições específicas à matéria da época conforme orientação do professor na ocasião. Atualmente, o resumo está mais reduzido, permitindo ao leitor selecionar na obra original seus próprios trechos preferidos do jeito que considerar mais apropriado.
Além disto, esta Análise de Obra foi idealizada a partir das ideias do filósofo, educador e autor americano Mortimer Adler (1902-2001), conforme expressas em "Como Ler Livros" (1940, 1972), e oferece uma abordagem analítica e sintópica dos níveis de leitura para examinar "A LUTA PELO DIREITO" de Rudolf Von Ihering.
Ao longo do texto, serão exploradas tanto as contribuições do autor para o campo do desenvolvimento humano quanto os principais conceitos e argumentos relevantes apresentados no livro, mas não substitui a leitura detalhada do livro, porém serve para despertar o leitor para que faça sua própria incursão e útil reflexão.
Rudolf von Ihering (1818-1892) foi um jurista alemão cuja obra exerceu profunda influência no desenvolvimento do Direito Civil moderno. Nascido em Aurich, Alemanha, Ihering foi um acadêmico prolífico, cuja carreira foi marcada por uma dedicação incansável à compreensão e à reforma do sistema jurídico. Sua formação em Direito pela Universidade de Göttingen lhe proporcionou a base para uma vida de pesquisa e ensino, que o levou a ocupar cátedras em prestigiadas universidades, como Basileia, Rostock, Kiel, Giessen, Göttingen e Viena.
Ihering é mais conhecido por sua obra "Der Kampf ums Recht" (A Luta pelo Direito), publicada em 1872, na qual argumenta que o direito não é uma entidade estática, mas sim um produto da luta social e individual. Esta obra não só desafiou as concepções jurídicas de sua época mas também estabeleceu Ihering como um dos mais importantes teóricos do Direito. Além de "A Luta pelo Direito", Ihering também é reconhecido por seu trabalho "Der Zweck im Recht" (O Propósito no Direito), onde desenvolve a ideia de que o direito deve ser entendido como um meio para alcançar fins sociais, enfatizando a importância dos objetivos sociais na formulação das leis.
A contribuição de Ihering ao Direito vai além de suas publicações. Ele é considerado um dos pais do conceito de jurisprudência sociológica, que sugere que as leis e os sistemas jurídicos devem ser analisados e compreendidos dentro do contexto social em que estão inseridos. Seu legado inclui uma abordagem mais dinâmica e prática do Direito, que continua a influenciar teóricos, praticantes e reformadores jurídicos até os dias atuais.
A obra é apresentada em cinco capítulos. Vários aspectos são abordados pelos autor e para fins desta análise apresenta-se apenas uma ideia central de cada capítulo, conforme identificado por ocasião dos fichamentos citados ao final.
A IDEIA CENTRAL do Capítulo Primeiro é que a paz, objetivo final do Direito, é alcançada pela luta, uma necessidade inerente à sua natureza. Ihering defende que o direito emerge de conflitos, contrariando a ideia de uma evolução pacífica proposta por doutrinas passivas. Ele vê a luta pelo direito como um dever moral essencial para a justiça e ordem social, comparando-a ao esforço para adquirir propriedade. Critica a visão de que os direitos surgem sem esforço, destacando que as grandes conquistas humanas vieram de lutas árduas. Para Ihering, defender direitos é um ato de amor e tenacidade, rejeitando a suficiência do costume para estabelecer vínculos duradouros com o direito, e apresenta o direito como um processo evolutivo, movido pela vontade de combater a injustiça.
A IDEIA CENTRAL do Capítulo Segundo é a relação entre o direito e a personalidade, onde Ihering aprofunda a discussão sobre como a luta pelo direito é essencial não só para a proteção de bens materiais, mas também para assegurar o respeito à individualidade e à dignidade humana. Ele argumenta que o direito, em seu caráter subjetivo, é fundamental para a formação e defesa da personalidade individual, servindo como meio de autoafirmação e desenvolvimento pessoal. Ihering destaca a importância da luta pelo direito privado, considerando-a uma luta pela própria identidade e pelo reconhecimento social, especialmente em casos de lesão ou subtração ao direito concreto. Ele evoca a Idade Média para ilustrar que as disputas decididas pela espada em duelos não eram meramente por valores pecuniários, mas uma defesa da honra e da pessoa. Lamenta que, em sua época, o sentimento da dor moral pelo direito lesado tenha sido substituído pelo reconhecimento apenas do valor pecuniário das causas, citando o exemplo de um juiz que, ao tentar resolver um processo de pouco valor financeiro oferecendo-se para pagar o montante do litígio, não compreendeu que o querelante lutava por princípios que transcendiam o valor monetário.
A IDEIA CENTRAL do Capítulo Terceiro é a análise da luta pelo direito tanto no contexto da sociedade e do Estado quanto na esfera individual, onde Ihering expande sua visão para abordar a contribuição dessa luta para a evolução das instituições jurídicas e a estabilidade social, além de enfatizar a importância da resistência individual frente a lesões de direito. Ele discute o papel do Estado na mediação dos conflitos de direito, ressaltando a necessidade de um sistema jurídico que reflita os valores e necessidades da sociedade e promova o progresso social através da adaptação das leis às mudanças sociais. Na esfera individual, Ihering recomenda veementemente que aqueles que tiverem seus direitos lesados devem resistir, não apenas para preservar sua existência material, mas crucialmente, para manter sua existência moral. Inspirando-se no pensamento romano, ele argumenta que o homem sem direito é reduzido ao estado de embrutecimento, e que abster-se da luta pelo direito equivale a um suicídio moral. Para Ihering, renunciar a qualquer aspecto da existência moral, como a propriedade ou a honra, é renunciar a todo o direito, defendendo assim a luta pelo direito como essencial tanto para a dignidade individual quanto para a coesão e progresso da sociedade.
A IDEIA CENTRAL do Capítulo Quarto é a crítica de Ihering às teorias jurídicas que desconsideram a importância da luta no desenvolvimento do direito, integrando uma visão pragmática que enfatiza o dever do homem para com a sociedade na defesa do direito. Ihering confronta as abordagens teóricas ou filosóficas que falham em reconhecer o papel ativo dos indivíduos e dos grupos sociais na formação e evolução do direito, argumentando que essas teorias negligenciam a dinâmica entre o direito objetivo e o subjetivo, e como o direito é vivenciado, aplicado na prática, e constantemente moldado através da luta. Ele propõe uma relação de mútua dependência entre o direito concreto e o abstrato, comparando-a à circulação sanguínea, onde a defesa do direito subjetivo é, na verdade, uma defesa da lei e, portanto, uma luta pelo direito inteiro na medida em que se insere no direito pessoal. Além disso, Ihering critica as arbitrariedades cometidas por autoridades públicas, destacando que nenhuma injustiça é mais grave do que aquela praticada pela autoridade estabelecida que viola o direito, referindo-se a tais atos como “assassinato judiciário”. Ele evoca a antiga Roma, onde a corrupção judicial era punida com a morte, reforçando o caráter ético e moral de sua obra "A Luta Pelo Direito", e enfatizando a luta como um motor essencial de mudança e inovação jurídica.
A IDEIA CENTRAL do Capítulo Quinto é a reflexão sobre o futuro do direito e o papel contínuo da luta na busca por justiça, com Ihering oferecendo uma visão prospectiva sobre os desafios e oportunidades futuras para o direito. Ele enfatiza a necessidade de vigilância constante e disposição para lutar contra as injustiças, argumentando que a evolução do direito depende da capacidade da sociedade de adaptar-se a novas realidades e enfrentar novos desafios. Ao finalizar sua obra, Ihering questiona a correspondência do Direito Romano, tal como aplicado na Alemanha de sua época, com os princípios e condições que desenvolveu em seu opúsculo, concluindo que está muito distante das verdadeiras pretensões que movem o sentimento legal na luta pelo direito. Critica a ausência de idealismo jurídico de sua época e evoca os tempos áureos de Roma, onde o dinheiro não era o fim, mas o meio, concluindo com um chamado à ação para que os leitores reconheçam a importância da luta pelo direito como um compromisso perene com a justiça e a ordem social, censurando a ausência de idealismo jurídico e evocando um passado em que os valores legais eram mais autênticos e menos focados no materialismo.
Realizando uma comparação sintópica entre "A Luta pelo Direito", de Rudolf von Ihering, e "O Contrato Social", de Jean-Jacques Rousseau observa-se que ambas são importantes para a compreensão do direito e da sociedade, mas abordam esses temas sob perspectivas distintas, refletindo as preocupações e contextos históricos de seus autores.
"A Luta pelo Direito" de Rudolf von Ihering enfoca a dinâmica da luta jurídica como motor essencial para o desenvolvimento e a evolução do direito. Ihering argumenta que o direito não é uma entidade estática, mas sim um produto da luta contínua pela justiça. Ele vê o direito como um meio de alcançar a ordem social, enfatizando a importância da ação individual e coletiva na defesa dos direitos. Para Ihering, a luta pelo direito é um imperativo moral e social, necessário para a preservação da sociedade e do bem-estar coletivo.
"O Contrato Social" de Jean-Jacques Rousseau, por outro lado, apresenta uma teoria sobre a origem e a base da legitimidade do poder político. Rousseau propõe que a sociedade é formada e mantida por um contrato social implícito, pelo qual os indivíduos concordam em se unir sob leis comuns para o benefício mútuo. A soberania, segundo Rousseau, reside no povo, e o governo é apenas um representante da vontade geral. A obra de Rousseau é fundamental para a compreensão da democracia moderna e da importância do consentimento dos governados.
1. Enfoque no Direito e na Sociedade: Ambas as obras tratam da relação entre o direito e a sociedade, mas de maneiras distintas. Ihering vê o direito como resultado da luta ativa por justiça, enquanto Rousseau foca na legitimação do poder político e na formação da sociedade através do contrato social.
2. Ação Individual versus Vontade Coletiva: Ihering enfatiza a importância da ação individual na defesa dos direitos, sugerindo que cada pessoa tem um papel ativo na moldagem do direito. Rousseau, em contraste, destaca a vontade coletiva como determinante da estrutura social e legal, através do conceito de vontade geral.
3. Visão de Justiça: Para Ihering, a justiça é alcançada através da luta contínua e do engajamento ativo dos indivíduos e grupos na defesa de seus direitos. Rousseau, por sua vez, vê a justiça como resultado da adesão ao contrato social, onde as leis refletem a vontade geral e promovem o bem comum.
4. Influência Histórica e Social: "A Luta pelo Direito" reflete o contexto jurídico e social do século XIX, focando na importância da legislação e da ação jurídica na resolução de conflitos. "O Contrato Social", escrito no século XVIII, influenciou revoluções e o desenvolvimento de teorias políticas modernas, destacando a soberania popular e a formação do Estado.
Ao longo deste artigo, foi explorada parte da complexidade do pensamento jurídico e social através das lentes de Rudolf von Ihering e Jean-Jacques Rousseau, culminando em uma visão sintópica que destaca tanto as divergências quanto as convergências entre suas obras. A introdução estabeleceu o terreno para a investigação, seguida por uma análise sobre o autor Rudolf von Ihering, sua obra "A Luta pelo Direito", e a contribuição de Jean-Jacques Rousseau com "O Contrato Social".
A seção de visão analítica permitiu um olhar nos argumentos e ideias centrais de Ihering, preparando o palco para uma comparação sintópica que revelou o diálogo entre essas duas mentes brilhantes.
Através da visão sintópica, foi possível perceber que, apesar de suas diferenças temporais e contextuais, Ihering e Rousseau compartilham uma preocupação fundamental com a justiça, a sociedade e o papel do indivíduo dentro dela. Ihering, com sua ênfase na luta ativa pelo direito, e Rousseau, com sua teoria do contrato social, oferecem perspectivas valiosas sobre como as sociedades podem se organizar e evoluir de maneira justa e equitativa.
Este artigo procurou destacar a importância de entender as teorias jurídicas e sociais em seu contexto histórico e cultural, mas também demonstrar como o diálogo entre diferentes épocas e ideias pode enriquecer nossa compreensão do direito e da sociedade. As considerações finais reforçam a ideia de que a busca pela justiça é um empreendimento contínuo, que requer a contribuição de pensadores de todas as eras.
Ao refletir sobre as obras de Ihering e Rousseau, cada pessoa é lembrada da importância de questionar, lutar e participar ativamente na construção de uma sociedade mais justa. É esperado que este artigo sirva como um ponto de partida para futuras investigações e diálogos entre o passado e o presente, entre teoria e prática, e entre o direito e a sociedade.
IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Rio de Janeiro: Editora Liber Juris Ltda, 1987.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.