SOBRE A LIBERDADE, de John Stuart Mill
INTRODUÇÃO
A obra de John Stuart Mill, um dos pensadores mais influentes do século XIX, está dividida em cinco capítulos e refere-se a um ensaio acerca da liberdade nos mais diversos âmbitos, discorrendo sobre a temática da liberdade individual, da liberdade e a visão da autoridade governamental, bem como sobre o papel da sociedade na promoção de um suposto progresso da humanidade.
Primeiramente foi publicada em 1859, sendo uma interessante referência filosófica provocando uma reflexão sobre a liberdade como princípio essencial, porém que pode encontrar obstáculos relacionais com pessoas que porventura exerçam funções governamentais, o que também pode influenciar a relação entre liberdade e a sociedade.
Este Artigo apresenta as ideias principais de cada capitulo com informações relevantes e análise crítica, mas não substitui a leitura detalhada do livro, porém serve para despertar o leitor para que faça sua própria incursão e útil reflexão.
DESENVOLVIMENTO
Como opção metodológica, apresenta-se no início deste desenvolvimento um panorama resumido visando nortear o leitor quanto ao conteúdo da icônica obra filosófica aqui objeto de análise.
Identifica-se que no primeiro capítulo há uma explanação dos princípios básicos do livro, tendo a liberdade como essencial para o progresso humano, o segundo se refere a liberdade de pensamento e discussão, no terceiro capítulo o autor analisa a questão da individualidade, como sendo um dos elementos do bem-estar, enquanto que o quarto capítulo diz respeito aos limites da autoridade da sociedade em relação ao sujeito como indivíduo e, por fim, no último capítulo o autor traz exemplificações práticas de sua maneira de defender a liberdade.
Feito isto, segue-se agora para maiores detalhes relevantes e respectiva reflexão sobre a temática da liberdade.
As pessoas que têm costume de fazer leitura de apenas partes de uma obra para supostamente captar uma visão geral, se assim procederem com o livro de Stuart Mill ficarão com a compreensão prejudicada que comprometerá a interpretação dos demais capítulos, vez que no primeiro capítulo o autor expõe a importância da liberdade individual com um princípio essencial para o progresso humano. Neste capítulo Mill sustenta que a liberdade é fundamental para alcançar a felicidade e o desenvolvimento pessoal. Também argumenta que a sociedade deve proteger a liberdade para evitar a tirania da maioria.
A questão é interessante, pois em países onde a liberdade é restringida ou suprimida é nítido a infelicidade do povo, aliás breve pesquisa de fotos na internet sobre esses lugares são imagens que valem mais do que mil palavras. Mill fala sobre o risco de ocorrer uma suposta tirania da maioria, entretanto, é fato notório que hodiernamente em vários países e segmentos na realidade também tem ocorrido uma tirania da minoria com imposição a qualquer custo de seus princípios e valores ou até imposição da falta deles para que todos sejam obrigados a pensar de forma igual e não tenham liberdade de discordar. A matéria é intrincada, vez que em democracia deveria se aceitar a opinião da maioria em busca da felicidade e progresso humano, com o cuidado de evitar tanto a tirania da maioria, quanto a tirania da minoria, todavia, há vários exemplos pelo mundo de que se aceita a decisão da maioria quando lhe convém, mas não quando é contrário aos seus interesses, bem como procura-se justificar eventual tirania sob o falso argumento de tentar equilibrar a democracia, a qual porém não foi desequilibrada, mas sim não se aceitam obstáculos ideológicos, principiológicos ou éticos aos interesses.
Mill analisa em sua obra a evolução do conceito de liberdade pelos longos dos anos, especialmente a batalha travada entre a liberdade e a autoridade, considerando que os governantes, na maioria das vezes, exerciam seus poderes em detrimento dos governados, vez que acreditavam ser mais preparados que o restante da população, que sequer tinha direito a expressar suas opiniões. Sob este aspecto, o autor cita vários exemplos no decorrer da história em que existiram manifestações de liberdade.
As ideias de Stuart Mill foram publicizadas em 1859 e continuam atualíssimas por ocasião desta análise realizada em 2015 por ser uma das leituras obrigatórias por ocasião do doutoramento em ciências jurídicas na Univali.
De fato, em qualquer regime de governo, seja ele autoritário, democrático ou totalitário, observam-se investidas de autoridades, independente do método de ascensão à função ou cargo, seja por eleição, por indicação política ou por concurso público, que procuram impedir a liberdade do povo, conforme se observa alhures. No Brasil, em que pese a democracia ainda engatinha, não se observam até 2015 medidas realmente contundentes para limitar a liberdade popular, todavia, todo cuidado é pouco, vez que não se pode afirmar com certeza qual será o cenário nas próximas décadas, nem mesmo pode-se antever o que esperar até 2035/2050, o que historicamente é um horizonte muito curto, apesar do período citado conjecturar apenas os próximos 35 anos, vez que desde a publicação da obra de Stuart Mill os exemplos se multiplicam e demonstram que tudo é possível, tanto no aspecto positivo, quanto negativo.
Abordando a questão da democracia, o autor afirma que o governo popular seria somente uma utopia, vez que há governantes que poderiam se aproveitar da situação e atender a interesses de alguns indivíduos e não de toda sociedade como deveria ser. Para Mill, em uma democracia a vontade do povo é revelada pela vontade da maioria ativa e não pela vontade de toda a sociedade, fazendo com que ideias sejam impostas e, dessa forma, impedindo o surgimento de opiniões individuais que afrontam os objetivos da maioria.
Stuart Mill defende que todas as opiniões, ainda que impopulares, devem ser admitidas, até porque através do debate e confrontamento de ideias é que se revela a verdade. O modus operandi de impedir a manifestação de ideias utilizando do cerceamento de liberdade tem se demonstrado ao longo dos últimos 150 anos posteriores a publicação do livro de Mill, como um instrumento preferido de quem pretende impedir o evidenciamento da verdade.
O autor entende que cada indivíduo é legitimado a expressar suas opiniões, com o cuidado de não lesionar o bem comum da sociedade. Neste momento, Mill demonstra sua esperança de vivenciar um tempo em que a imprensa seria livre de qualquer censura, vez que para ele a liberdade de imprensa seria uma poderosa arma contra a tirania governamental e corrupção, bem como que os governantes de fato compartilhassem da mesma opinião que o próprio povo.
Em que pese fosse o ideal, Mill demonstra-se bastante realista e reconhece que muitas vezes a imprensa age de maneira equivocada, razão pela qual não defende a liberdade irrestrita da imprensa, e que a opinião do povo pode ser perigosa, por isso os governos não podem segui-las cegamente.
O uso da tecnologia e novas formas de comunicação alteraram bastante o cenário da época de Stuart Mill. Por ocasião da publicação da obra "Sobre a Liberdade" em 1859, estava-se apenas pouco mais de um século pós imprensa de Gutenberg que foi desenvolvida entre os anos de 1439 e 1440 a partir da confecção e combinação de tipos móveis moldados em chumbo. Hoje há o recente Telegram (2013) com apenas 2 anos de criação; o Instagram (2010), o Whatsapp (2009); Twitter (2006); Facebook (2004) e a indústria de tecnologia avança a cada dia sinalizando para a criação de outras mídias sociais, plataformas e aplicativos de comunicação que apresentam mais liberdade para a população e possibilitam a expressão de suas ideias, ampliando o debate e o confronto de ideias, sendo que através desse burilamento a população tem acesso a verdade e em tempo o mais próximo do real possível, sem filtro de outras formas de comunicação e/ou imprensa já consolidados, que porém podem, eventualmente, servir a interesses de autoridades (conforme apontava Mill) ou então atuar como opositor, de forma seletiva, não para promover o debate e confrontar ideias buscando a verdade, mas sim para evitá-lo a todo custo por interesses que são contrários ao que Stuart Mill apontou como progresso humano.
Em que pese ainda recentíssimos, em alguns países o Telegram, Whatsapp, Twitter, Instagram e Facebook são proibidos e em outros há controle do que pode e não pode ser publicado ou compartilhado entre os usuários, evitando assim que a população tenha conhecimento da realidade, o que fere um direito humano fundamental. Os antigos moldes móveis de chumbo criados por Gutenberg assustaram muito as autoridades da época e das seguintes, tanto é que livros e mais livros têm sido queimados ao longo dos séculos. Todavia, a criptografia tem assustado ainda mais.
No Brasil, considerando que o regime de governo não é autoritário ou totalitário com relação ao modo que o poder está distribuído entre os elementos do Estado, nem apresenta a forma de tirania, não se observam atitudes taxativas de impedir uso ou autorizar uso com restrição de conteúdo ou de vedar pessoas ou instituições de exercerem sua liberdade de expressão através de Telegram, Whatsapp, Twitter, Instagram ou Facebook, conforme ocorrem em outros países com visão totalitária e de domínio do governamental sobre o povo e com supressão da opinião, vontade e liberdade da população. A lógica e o bom senso indicam que o Brasil não caminha para este tipo de cenário que já ocorre em outros países, pelo contrário, a jovem democracia brasileira tem convivido, aparentemente bem, com o debate de ideias, confrontação de verdades e mentiras, havendo mecanismos jurídicos no ordenamento brasileiro para restaurar eventuais danos, porém sem limitar ou muito menos impedir a liberdade de expressão. Ad argumentandum, um cenário diverso seria apocalíptico, hipoteticamente até possível, porém pouquíssimo provável, a não ser que o território brasileiro viesse ser imaginariamente invadido por algumas das nações que já são adeptas a esse tipo de prática de cerceamento de liberdade, ou então por interesse econômico e de poder de outras fontes de expressão que venham se sentir ameaçadas no monopólio de transmitir textos, áudios e vídeos, ou ainda, seletivamente tenham interesse na divulgação parcial de informações pelos mais variados interesses, legítimos ou ilegítimos que a mente humana possa conjecturar. Em qualquer caso, o livro Sobre a Liberdade de John Stuart Mill é um farol que sinaliza na escuridão a diferença entre o caminho que conduz à destruição nos rochedos e recifes ou aquele que possibilita uma navegação segura para a sociedade visando seu progresso.
Para o autor, a coexistência de diversas opiniões permite desenvolver um senso crítico, fazendo refletir sobre a própria opinião e fundamentá-las. Após, ainda é necessário colocar sua opinião já formada em prática. A diversidade de opiniões é importante para que as pessoas possam conhecê-las e a partir daí analisá-las e decidir se compartilham desta ou daquela parte da opinião. Logo, a existência de uma opinião comum em uma sociedade impede que outras verdades sejam conhecidas.
Mill destaca os limites do poder da sociedade sobre o individuo, pois não pode ser ilimitado. Também defende um governo limitado, que tenha poderes restritos, para não interferir de forma desnecessária nas decisões individuais, inclusive Mill argumenta que cada pessoa tem o direito de agir como quiser, porém se causar dano, então deve ser responsabilizado.
A antevisão de Stuart Mill é impressionante mostrando que era um pensador a frente da sua época, vez que tais apontamentos se mostram atuais, podendo ser debatido que essas decisões individuais que não devem sofrer interferência governamental, também podem ser ampliadas para interferência econômica e outros, podendo cada um ser livre para decidir sobre qual opinião escolher e/ou expressar, qual produto consumir ou evitar, qual pessoa escolher ou rejeitar, porém sempre à luz da verdade que é possibilidade com o debate e exposição de ideias. O processo de escolhas nunca foi fácil e nem o será, porém pode e deve ser subsidiado por informações, emergindo assim a importância da liberdade tão debatida por Stuart Mill.
É óbvio que a liberdade estudada por Mill não deve ser analisada isoladamente, mas também sopesada com a autonomia e a responsabilidade individual na sociedade, razão pela qual o autor aborda esses aspectos no capítulo 4.
O autor defende a liberdade de cada indivíduo, de forma que todos têm o direito de expressas sua própria opinião, desde que a liberdade de opinião do outro não seja suprimida. A individualidade de cada ser deve ser reconhecida, assim, é possível que tenha uma opinião contrária a da maioria. Mill entende que quanto mais a pessoa tem noção da importância de sua individualidade e sociedade acaba sendo beneficiada, pois auxilia no desenvolvimento humano e progresso social.
Stuart Mill expõe suas ideias sobre liberdade, que é um princípio fundamental, contrapondo com o princípio do dano e da liberdade de expressão, o que é salutar, pois demonstra que a questão já possui um sistema de freios e contrapesos que se regulam e são saudáveis. A liberdade individual não pode ser violada, a esfera privada do indivíduo não pode ser atingida, mas a partir do momento em que a liberdade se torna pública e reflete em outros indivíduos o Estado já dispõe de instrumentos para reequilibrar a dinâmica processual observando o princípio do dano, porém evitando-se a intervenção desnecessária já debatida nos capítulos anteriores.
A obra engloba o debate da liberdade também frente às variadas áreas da vida social e política, bem como a relação entre indivíduo e família, educação, moralidade e papel do Estado, demonstrando que a liberdade individual deve ser protegida e até incentivada em todas as esferas da vida, conforme enfatiza no quinto capítulo.
Para melhor aprofundamento teórico é salutar a comparação entre os aportes de John Stuart Mill (em Sobre a Liberdade) com os de Hermann Heller (em Teoria do Estado) e também de Norberto Bobbio (em Igualdade e Liberdade) no que tange à discussão sobre igualdade e liberdade, cujas obras também foram objeto de análise pelos subscritores e recomenda-se a leitura (Disponível em https://www.recantodasletras.com.br/analise-de-obras/5404695 E
https://www.recantodasletras.com.br/analise-de-obras/5406964 )
CONCLUSÃO
Durante todo o desenvolver de sua obra, John Stuart Mill defende que os indivíduos têm direito a liberdade de expressão e compartilha a ideia de que o Estado deve buscar interferir o mínimo possível na vida dos indivíduos, sendo justificável sua interferência somente nos casos em que vise evitar que a liberdade individual interfira na vida de outras pessoas e caso isso aconteça o princípio do dano seria o instrumento para a responsabilização, porém ser a supressão o do direito humano fundamental da liberdade.
BIOGRAFIA DO AUTOR:
John Stuart Mill nasceu em 20/05/1806, em Pentonville, Londres. Com 14 anos, sob a influência de seu pai, Mill já havia lido grande número de clássicos gregos e latinos, dominava história, matemática e lógica e havia aprendido a base da teoria econômica. Aos 18 anos iniciou a compilação e organização de seus textos.
No ano de 1823 o autor inicia seu trabalho na empresa East India Company. Em 1856 já ocupava o cargo de Chief Examiner.
Em 1826 Mill sofre uma profunda depressão, segundo ele, em razão da sua educação lógico-analítica, alegando que era um ignorante emocionalmente.
Em 1830 conhece Harriet Taylor, por quem nutre um sentimento platônico já que ela era casada. Depois de 25 anos finalmente se casam.
Por volta de 1840 mantém contato com Tocqueville e Comte, dos quais sofre a influência dos ideais democráticos e positivistas, refletidos em suas obras.
No ano de 1858 a empresa em que trabalhava é fechada e Mill se aposenta.
Em 1859 publica o livro Sobre a Liberdade.
Em 1865 é eleito para a Câmara dos Comuns.
No ano de 1873 vem a óbito na cidade de Avignon por erisipela infecciosa.
REFERÊNCIA
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. São Paulo: Hedra, 2010
ANOTAÇÕES FINAIS:
A referida análise de obra foi apresentada em 2015 por ocasião do doutoramento em Ciência Jurídica na UNIVALI, Capes 6, pelo Prof Dr Oscar F. Alves Jr e Profª Drª Andréia Almeida Alves, dupla sorteada pelo professor do módulo, contando também com aportes reflexivos da Prof Me Claudia Marina Barcasse Moretto Alves, Coordenadora do Curso de Direito do CEULJI/ULBRA.
Oscar Francisco Alves Junior e Claudia Marina Barcasse Moretto Alves
Enviado por Oscar Francisco Alves Junior em 05/10/2015
Alterado em 15/04/2024