TEORIA DO ESTADO, de Hermann Heller
INTRODUÇÃO
O presente texto realiza a análise de uma obra clássica no campo do pensamento político e jurídico, que originalmente possibilita densos insights sobre a complexidade da relação entre Estado, direito e indivíduos.
Trata-se do livro “Teoria do Estado”, publicado em 1928, no qual Hermann Heller propõe um estudo acerca da formação estatal, entendendo que o estudo do Estado deve ocorrer com base na totalidade da vida social, isto é, imprescindível que vários aspectos sejam estudados para se compreender o Estado, tais como a geografia, o povo, a economia, a opinião pública, o direito, bem como que seja analisada a função social do Estado, a qual legitima o seu poder.
Com esse viés, Heller analisa de forma abrangente o Estado, explorando sua natureza, estrutura, função e relação com os indivíduos e a sociedade, pois considera relevantes para o estudo esses múltiplos aspectos.
Heller busca nos fatores de uma sociedade dinâmica e no desenvolvimento histórico a compreensão para a formação de um Estado, os quais influenciaram a atividade humana que, por sua vez, organizou de forma voluntária o Estado, a fim de se alcançar uma vontade comum que satisfizesse os interesses individuais.
A obra é dividida em 3 capítulos, sendo o primeiro sobre o Objeto e Método da Teoria do Estado, o segundo sobre a Realidade Social e o terceiro sobre O Estado, cada um deles com suas respectivas subdivisões, as quais devem ser lidas integralmente pelo interessado, vez que o objetivo desta presente análise não é esgotar exaustivamente cada parte do livro.
O autor expõe na parte introdutória do livro as bases conceituais de sua teoria do Estado, realizando uma interseção entre Estado e Direito, o que possibilita Heller afirmar que o Estado moderno seria um sistema jurídico politico que objetiva a regulação e organização da vida em sociedade. Preparando o ambiente teórico argumentativo que se sucede nos três capítulos seguintes, Heller ainda discorre sobre a soberania estatal e a forma que o poder político seria exercido dentro das linhas estruturantes do Estado.
DESENVOLVIMENTO
No Capítulo I que discorre sobre Origens do Estado, Heller aponta como importante marco para a formação do Estado a transição da Idade Média para a Idade Moderna, portanto sendo um fenômeno moderno.
Destaca-se que se trata de período em que ocorreu concentração do poder militar, burocrático e econômico e, ainda, houve o desenvolvimento da economia monetária, como algumas das características visíveis na Idade Moderna, enquanto que na Idade Média o setor privado é quem detinha a administração.
Obviamente todas essas circunstâncias emergiram a necessidade de mudanças, como por exemplo, reorganização e aperfeiçoamento da administração pública, necessidade de tributação e criação de um sistema jurídico que colocasse fim aos privilégios dos poderosos em detrimento da população.
O relato histórico de Heller continua atual, pois os privilégios dos poderosos, lamentavelmente, continuam ocorrendo em alguns segmentos, houve mudança de nomes e funções, mas ainda ocorrem. Viagens nacionais e até internacionais utilizando aviões da Força Aérea, foro privilegiado, previdência social especial, plano de saúde, serviço de restaurantes premiados com cardápios onerosamente altos para os cofres públicos, verba de gabinetes, auxílios de toda sorte, compensação de gastos, possibilidade de indicação de inúmeros servidores sem concurso público, dentre muitos outros privilégios, demonstram concretamente que a situação ocorrida na Idade Média ainda continua presente.
A Idade Média (476 a 1453) durou cerca mil anos, iniciando no século V, com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e terminando no século XV, com a tomada de Constantinopla pelo Império Otomano, em 1453, entretanto, os privilégios ocorridos ainda permaneceram durante a Idade Moderna (1453 a 1789) e ainda resistem na Idade Contemporânea (1789 até os dias atuais), demonstrando que relato de Hermann Heller não é coisa do passado e muito menos superada.
No Capítulo II debate-se A Realidade Social destacando-se alguns aspectos como efetividade humana, condições naturais, condições culturais, articulação e a sociedade civil.
Segundo o autor, a noção de Estado pode ser compreendida nas sociedades políticas que possuam determinadas características, que detenham seu próprio poder e seja delimitada pessoal e territorialmente.
O território, o povo e a relação entre o Estado e o direito são elementos essenciais para formação do Estado, conforme expõe o autor. Aponta-se que as características geográficas e recursos naturais são relevantes e por isso o território influencia, mesmo que de forma indireta, a economia e o desenvolvimento.
Essa influencia pode ser concretamente verifica pelo anseio de várias nações e grupos econômicos no sentido de alijar determinadas áreas, como por exemplo, a Amazônia, da soberania do Estado brasileiro, forçando uma hipotética internacionalização sob o pretexto de suposta bandeira de preservação ambiental, que de forma alguma ocorreu outrora nas nações que hodiernamente possuem escopo subjugador sobre o solo brasileiro.
O autor menciona o problema econômico enfrentado pelos Estados para garantir sua independência política, considerando que anteriormente poder econômico e político eram provenientes das mesmas pessoas. Heller entende que o poder econômico pode causar influência na opinião pública, mediante os meios de comunicação, e nos aspectos político-militares ao serem financiados por aqueles que o detém. Portanto, Heller defende a necessidade de solidificação das bases econômicas do Estado, para que poder político não se confunda com o econômico e interfira nos interesses do povo.
Mais uma vez Hermann Heller se mostra muito a frente de seu tempo, vez que seus apontamentos sobre eventual influência do poder econômico e dos meios de comunicação sobre a opinião pública não são apenas elocubrações teóricas, mas perniciosas práticas que sacrificam o interesse do povo para satisfação de interesses pessoais que deslegitimam a relação povo-Estado.
Heller conceitua a Teoria do Estado como sendo a ciência que se ocupa em estudar o Estado observando suas condições naturais e culturais, razão pela qual assevera que a relação entre o Estado e as condições naturais sofre mutações conforme a própria história se desenvolve.
Com base nessas considerações é possível dizer que a Teoria do Estado é uma ciência pautada na realidade, que se propõe o estudo do Estado fundamentado em fatores reais e históricos.
Discorrendo um pouco mais sobre os elementos necessários para se formar um Estado, sob a ótica de Heller observa-se como elemento natural o território, o qual tem importância na medida em que constitui um aglomerado populacional que é regido por sua própria soberania. O território pode exercer influências indiretas sobre o Estado na economia, no desenvolvimento, na fauna e na flora, vez que cada território possui suas peculiaridades, como o clima, o solo, suas riquezas naturais. Também é elemento constituinte do Estado o povo, vez que reflete em uma unidade estatal. Heller ainda discorre sobre o direito como condição de existência para o Estado e vice-versa, considerando que por meio do direito o Estado torna-se legítimo.
Acerca da função social do Estado, o autor entende que consiste na proteção da delimitação territorial realizada por um povo, ou seja, o Estado é criado para harmonizar os interesses divergentes existentes em um território. Quando diante de um conflito de interesses, o Estado exerce seu poder.
No Capítulo III o autor também menciona a função política, afirmando que há uma relação mútua de influências entre esta e as funções sociais. Heller acredita que a política é fundamental para impedir os conflitos.
Durante sua obra, Heller questiona o motivo dos indivíduos se submeterem a sacrifícios pessoais e patrimoniais pelo Estado e conclui que são consequências advindas da escolha que fizeram ao formarem um Estado, sabendo que para tanto deveriam fazer algumas concessões em seu benefício para que o Estado em si fosse beneficiado.
Em relação ao poder, o autor afirma que ele é pertencente ao próprio Estado e, por meio de governantes, é exercido. No entanto, os governantes não possuem o poder do Estado, apenas o exerce em nome deste.
Para Heller, a Constituição do Estado vai muito além que a norma fundamental escrita, tal como conhecemos, ela é formada também por aquelas condutas costumeiras do povo e que não são necessariamente normatizadas. Entretanto, as condutas normatizadas já foram condutas normalizadas, daí corresponderem com a realidade. No seu estudo acerca da Constituição do Estado o autor também ressaltou os princípios do direito, os quais devem justificar a criação da Constituição.
Para melhor aprofundamento teórico é salutar a comparação entre os aportes de Hermann Heller em Teoria do Estado com os de John Stuart Mill no que tange à discussão sobre cidadania que o primeiro realiza no Capítulo III, mormente quanto à importância da igualdade e da liberdade, que são objetos de estudo do segundo autor mencionado, o qual também foi objeto de análise pelos subscritores e recomenda-se a leitura (Disponível em https://www.recantodasletras.com.br/analise-de-obras/5404710 )
VISÃO SINTÓPICA:
COMPARAÇÃO ENTRE "TEORIA DO ESTADO" (HERMANN HELLER) E "O CONCEITO DO POLÍTICO" (CARL SCHMITT)
Em "Teoria do Estado", publicado originalmente em 1934, Heller defende uma concepção de Estado baseada no que ele chama de "Estado Social de Direito". Para Heller, o Estado não é apenas um aparato de poder, mas tem a função social de promover o bem-estar e a igualdade, integrando as classes sociais. Ele vê o Estado como uma entidade ética que deve buscar a justiça social.
Já em "O Conceito do Político", publicado em 1927, Carl Schmitt tem uma visão mais conflituosa da política e do Estado. Para Schmitt, a essência do político reside na distinção entre amigo e inimigo. O Estado, em sua visão, é a entidade que detém o monopólio de decidir sobre essa distinção e, portanto, de fazer a guerra. Schmitt enfatiza a soberania do Estado e seu poder de decisão em momentos de exceção.
Enquanto Heller vê o Estado como um instrumento para promover a integração social e superar os conflitos de classe, Schmitt enxerga a política e o Estado em termos de antagonismos e da sempre presente possibilidade de conflito. Para Heller, o Estado de Direito e a constituição são essenciais para conter o poder do Estado. Já para Schmitt, o soberano é aquele que decide sobre a exceção, estando acima da própria ordem jurídica.
Ambos se preocupam com a crise do Estado moderno, mas propõem soluções distintas. Heller defende um Estado social que promova a igualdade substantiva, enquanto Schmitt, temendo o pluralismo que corrói a unidade estatal, flerta com um Estado total capaz de decidir sobre a exceção e eliminar os inimigos internos.
Portanto, enquanto a teoria do Estado de Heller aponta para um Estado ético e social que usa o direito para integrar a sociedade, a visão de Schmitt é de um Estado soberano definido pela capacidade de distinguir amigos de inimigos e pela prerrogativa de suspender a ordem jurídica. São perspectivas que refletem as intensas disputas ideológicas e a profunda crise política que marcaram o entreguerras na Alemanha.
CONCLUSÃO
Heller não pôde finalizar sua obra “Teoria do Estado”, vez que faleceu antes de concluir seu raciocínio acerca da formação do Estado, mas ainda assim, traçou um panorama geral do Estado, abordando sua estrutura, organização e funcionamento.
Segundo o autor, o Estado deve ser entendido em análise conjunta com os aspectos sociais, os quais caminham e contribuem significativamente para a formação estatal e sua posterior transformação, face a sua dinamicidade, daí a ciência que estuda o Estado ser pautada na realidade vivenciada.
Em sua abordagem multidimensional Hermann Heller giza ser importante sopesar os aspectos sociais na formação e evolução do Estado, o qual para ser legítimo e justo deve promover a proteção dos direitos dos cidadãos, vez que se trata de uma condição essencial.
BIOGRAFIA DO AUTOR:
Hermann Heller nasceu no ano de 1891, em Teschen. De 1920 até 1922 foi Professor de Direito em Kiel, de 1922 a 1926 em Leipzig e entre 1926 a 19933 em Berlim.
No ano de 1928 teve um relacionamento amoroso com Elsabeth Langgässer, do qual nasceu uma filha em 1929.
Ao longe de sua vida participou de vários debates e disputas jurídicas e políticas, especialmente com Hans Kelsen e Carl Schmitt.
No ano de 1933 Heller foi exilado na Espanha, vindo a falecer no mesmo ano, em Madrid. Sua obra “Teoria do Estado” foi publicada após sua morte, em 1934. Também foi autor de outras obras, tais como: “Ideias políticas Contemporâneas”, “Escritos Políticos”, “Europa e o Facismo”, “O Sentido da Política e Outros Ensaios”, dentre tantas outras.
REFERÊNCIA
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Mestre Jou
ANOTAÇÕES FINAIS:
A referida análise de obra foi apresentada em 2015 por ocasião do doutoramento em Ciência Jurídica na UNIVALI, Capes 6, pelo Prof Dr Oscar F. Alves Jr e Profª Drª Andréia Almeida Alves, dupla sorteada pelo professor do módulo, contando também com aportes reflexivos da Prof Me Claudia Marina Barcasse Moretto Alves, Coordenadora do Curso de Direito do CEULJI/ULBRA.
Oscar Francisco Alves Junior e Claudia Marina Barcasse Moretto Alves
Enviado por Oscar Francisco Alves Junior em 05/10/2015
Alterado em 15/04/2024